3 de novembro de 2010

Gritos, Frases e Promessas

             Aquele 7 de Setembro de 1822 foi (como se diz mesmo?...) para inglês ver. É provável que o acontecido às margens do Ipiranga, como retrata a pintura de Pedro Américo, não tenha passado de um momento inusitado e incompreensível para o carreteiro e para os trabalhadores da lavoura ao fundo da paisagem do mesmo grande quadro.
             Desnorteados ficaram, outrossim, a população do Rio de Janeiro que, no dia 15 de Novembro de 1889, assistiram bestializados a uma parada militar - esta que foi a "aclamada" Proclamação da República.
             Hoje, depois de 188 anos independentes de Portugal e 121 anos livres da monarquia, o povo brasileiro ainda é alheio ao que acontece quando se trata das diretrizes do governo do país. Somos enganados, feiots de bobos e, ainda por cima, manipulados por aqueles que tivemos o dever de um cidadão democrático de escolher.
             Perante a uma democracia ludibriadora, os brasileiros ainda assistem bestializados ao que ocorre no cenário político nacional, ficando muitas vezes, sem saber ao certo o que se passa e de mãos atadas quando tentam achar uma solução.
             Será então, que um dia saberemos o significado do grito "Independência ou Morte!"; que alguma mera vez entenderemos o sentido de "Ordem e Progresso" ou ao menos descobriremos na prática as tantas promessas ditas no palanque? E se esse dia chegar, quem sabe então, nossas vidas mudariam e tornaríamos legitimos brasileiros a aclamar e lutar por seu país, pela sua pátria (até a finalização deste texto, pelo menos)  perdida.


17 de outubro de 2010

O Monólogo das Mãos

           
                Para aqueles que assitiram a  interpretação de Bibi Ferreira no Programa do Jô e se encantaram pelo texto de Ghiaroni, lá vai...
              
              "Para que servem as mãos? As mãos servem para pedir, prometer, chamar, conceder, ameaçar, suplicar, exigir, acariciar, recusar, interrogar, admirar, confessar, calcular, comandar, injuriar, incitar, teimar, encorajar, acusar, condenar, absolver, perdoar, desprezar, desafiar, aplaudir, reger, benzer, humilhar, reconciliar, exaltar, construir, trabalhar, escrever......
             As mãos de Maria Antonieta, ao receber o beijo de Mirabeau, salvou o trono da França e apagou a auréola do famoso revolucionário; Múcio Cévola queimou a mão que, por engano não matou Porcena; foi com as mãos que Jesus amparou Madalena; com as mãos David agitou a funda que matou Golias; as mãos dos Césares romanos decidia a sorte dos gladiadores vencidos na arena; Pilatos lavou as mãos para limpar a consciência; os anti-semitas marcavam a porta dos judeus com as mãos vermelhas como signo de morte! Foi com as mãos que Judas pos ao pescoço o laço que os outros Judas não encontram.
            A mão serve para o herói empunhar a espada e o carrasco, a corda; o operário construir e o burguês destruir; o bom amparar e o justo punir; o amante acariciar e o ladrão roubar; o honesto trabalhar e o viciado jogar. 
           Com as mãos atira-se um beijo ou uma pedra, uma flor ou uma granada, uma esmola ou uma bomba! Com as mãos o agricultor semeia e o anarquista incendeia! As mãos fazem os salva-vidas e os canhões; os remédios e os venenos; os bálsamos e os instrumentos de tortura, a arma que fere e o bisturi que salva.
            Com as mãos tapamos os olhos para não ver, e com elas protegemos a vista para ver melhor. Os olhos dos cegos são as mãos. As mãos na agulheta do submarino levam o homem para o fundo como os peixes; no volante da aeronave atiram-nos para as alturas como os pássaros. O autor do «Homo Rebus» lembra que a mão foi o primeiro prato para o alimento e o primeiro copo para a bebida; a primeira almofada para repousar a cabeça, a primeira arma e a primeira linguagem.                 
           Esfregando dois ramos, conseguiram-se as chamas.
           A  mão aberta,acariciando, mostra a bondade; fechada e levantada mostra a força e o poder;
empunha a espada a pena e a cruz! Modela os mármores e os bronzes; da cor às telas e concretiza os sonhos do pensamento e da fantasia nas formas eternas da beleza. Humilde e poderosa no trabalho, cria a riqueza; doce e piedosa nos afetos medica as chagas, conforta os aflitos e protege os fracos. 
          O aperto de duas mãos pode ser a mais sincera confissão de amor, o melhor pacto de amizade ou um juramento de felicidade. O noivo para casar-se pede a mão de sua amada; Jesus abençoava com as mãos; as mães protegem os filhos cobrindo-lhes com as mãos as cabeças inocentes.Nas despedidas, a gente parte, mas a mão fica, ainda por muito tempo agitando o lenço no ar.
          Com as mãos limpamos as nossas lágrimas e as lágrimas alheias. E nos dois extremos da vida, quando abrimos os olhos para o mundo e quando os fechamos para sempre ainda as mãos prevalecem.
          Quando nascemos, para nos levar a carícia do primeiro beijo, são as mãos maternas que nos seguram o corpo pequenino. E no fim da vida, quando os olhos fecham e o coração pára, o corpo gela e os sentidos desaparecem, são as mãos, ainda brancas de cera que continuam na morte as funções da vida
." 


15 de setembro de 2010

A eternidade de um segundo

           Já estamos em Setembro, o que quer dizer que falta apenas pouco mais de três meses para um novo ano começar. Muitos dizem "Nossa! Como o ano passou rápido!" ou ainda se perguntam retóricamente "Já??!!!". 
           O tempo passa, isso é fato. O que pode mudar é simplesmente o modo com que o vemos, o percebemos ou o utilizamos. Quanto mais nos apegamos às rotinas controladoras, às irritações comuns ou renunciamos aos simples detalhe que encantam, entramos e nos fechamos em uma cúpula pela qual não é possível a apreciação da vida ou otimização do tempo - que muitos aspiram. 
           O desejo de parar o tempo ou singelamente torná-lo mais lento deve ser um de muitos dos inúmeros desejos da  humanidade. Se não houvesse o arrependimento do que poderíamos ter feito com tais momentos, talvez não fosse preciso de um dia com mais de 24 horas ou, quem sabe, de uma máquina do tempo.
           Os segundos correm, os minuto voam e as horas passam, assim como os dias que após algumas repetições transformam-se em um novo mês. Mas haverá, portanto, sempre uma branda saudade do tempo que se passou, do  momento vivido e do segundo que, por mera lembrança, tornou-se eterno.
    

24 de agosto de 2010

Modernidade Galopante: o Girassol dos Oceanos

"[...] Com o rosto colado ao poste, o Desconhecido escutava os ruídos da noite: o tropel e as vozes indistintas dos transeuntes na calçada; a surda trovoada do tráfego riscada pelo trombatear das buzinas e, a intervalos regulares, pelo tilintar das campainhas das sinaleiras.
 A cidade parecia um ser vivo, monstro de corpo escaldante a arquejar e transpirar na noite abafada. Houve um momento em que o homem de gris confundiu as batidas do próprio coração com o rolar do tráfego, e foi então como se ele tivesse a cidade e a noite dentro do peito. [...]"


         O trecho acima foi retirado da obra "Noite", de Érico Veríssimo, a qual relata a noite de um desconhecido que vaga pela cidade à procura de sua identidade e memórias perdidas.
          Em meio ao turbilhão de indagações e acontecimentos - e da forma mais inesperada possível - o  Desconhecido por um momento encontra-se, reconhece-se e reinventa-se diante à cidade e ao caos fascinador, confundindo-se com os ruídos, os sopros e os sentidos que nela encontra.
         A cidade não é apenas um meio urbano habitacional, industrial ou comercial, mas, outrossim, a continuidade e reflexo da existência humana. O corpo, a razão, a natureza e sensibilidade humanas são refletidos em torres e edifícios, assim como homenagem ou complemento do ser que o está construindo. Quem nesse conglomerado de bulícios nasce talvez possa compreender melhor, o deslumbre que as diversas e coloridas luzes causam,  a singela magia de um pôr-do-sol refletido no concreto vertical ou a sensação de ter a cidade como parte do seu eu.
         Na procura constante de um "eu", somos todos desconhecidos que usam das lembranças e histórias, fragmentos para construir um futuro que talvez se perca, se enrole, se desatine ou que simplesmente aconteça, mediante ao lugar que sentimos pertencer, em meio a célere e vasta modernidade da atualidade, que se destaca da história assim como uma flor nos oceanos, incitando-nos a  buscar, mesmo que desordenadamente, o tão desconhecido "eu".
           



21 de julho de 2010

E voa a Jabulani!!

          


         A Copa de 2010  acabou, mas deixou muito o que falar. Entre seleções que surpreenderam e outras que decepcionaram; 'frangos' de goleiros e jogadores e dos azares sobrenaturais, o que mais surpreendeu aos comitês de organizações, às seleções e à FIFA, foram os altos e engenhosos projetos e investimentos efetuados pelo governo e instituições sul-africanas, além - é claro - da nossa querida (bom.. talvez nem tanto) Jabulani.
         Por muitos gols, não gols e diversas outras falhas, a Jabulani foi julgada culpada, tendo como prova de sua ineficácia, as curvas inimaginárias que fazia. Bom, a "patricinha", "bola de supermercado" ou "sobrenatural" (como a bola é conhecida por alguns de nós, brasileiros) gosta mesmo de fazer birra, até mesmo em institutos como a NASA, a qual testou e afirma que quando a Jabulani ultrapassa os 70km/h sua rota é indeterminável!!
         Em 2014 a Jabulani (ou simplesmente nossa antiga bola de futebol) voará para o Brasil trazendo alegria para todos, a caminho da 20ª edição da Copa do Mundo de Futebol. Só precisamos ser cautelosos para que no meio do caminho a "bola com superpoderes" não desvie seu percurso, pois se o Brasil não cumprir com as diversas obrigações que estão no caderno de encargos - como a boa infraestrutura de vias públicas, aeroportos, redes hoteleiras e especialmente de estádios - a FIFA pode nomear outro país para sediar o mundial (assim como o que aconteceu com a Colômbia em 1986, que não tendo verbas para terminar as obras necessárias, perdeu a candidatura para o México).
         Mesmo não tendo nem o local da abertura garantido, o país festeja com vuvuzelas e espectativas, aguardando a aclamada Jabulani, símbolo que remete à uma das mais surpreendentes (positiva e negativamente), bem investidas e mais belas Copas (a que muito pôde nos ensinar e mostrar para não errarmos daqui a quatro anos): a Copa do Mundo de 2010.


30 de junho de 2010

Sociedade Societária

   

    









     
      Num mundo insano e desgovernado
      Ideias com seus donos se perdem,
      Ideias com seus valores se fundem.
      Dão origem ao caos sem valor,
      Ao detalhe não olhado,
      À beleza desprezada.

      O sonho da associação parece belo,
      Mas quando abrimos os olhos
      E vimos a metálica ao redor,
      Vemos que estamos sozinhos
      Mesmo tendo todos ao redor.



28 de junho de 2010

A Medicina de Tchekhov

        
          Normalmente lendo, vendo ou escutando alguma coisa, ideias e argumentos surgem e transformam-se em parágrafos que posteriormente escrevo. Entretanto, hoje postarei parte de um texto de Luiz Felipe Pondé, o qual não preciso comentar ou escrever sobre porque ele já explica tudo por si só.

         "Há 150 anos o escritor russo Anton Tchekhov (1860-1904) nascia. Médico, Tchekhov tinha um sentido aguçado para a miséria concreta da vida humana.
         Partilho com ele de um grande ceticismo com relação à crença cega no progresso, tão comum entre os tolinhos de hoje em dia.
         Qual a visão de mundo de Tchekhov? Qual a marca profética (comumente referida na crítica especializada) dos autores russos do século 19 com relação à modernização? No caso de Tchekhov, contra o delírio da autossuficiência moderna, essa marca está na sua visão de que a humanidade vive contra um cenário infinito que ultrapassa cada um de nós e a cada "era histórica", retirando-nos a possibilidade de avaliar o verdadeiro sentido de nossos atos.
         Apenas aqueles que viverão 500 anos depois de nós poderão, talvez, ver alguns obscuros sentido em nossas vidas.
         Ao contrário dos "ocidentalizantes" (termo comum na rússia do século 19 para descrever os que abraçavam o avanço moderno sem dúvidas), que se viam como donos do próprio destino, Tchekhov logo percebeu que a modernização seria apenas mais uma experiência, como tudo que é humano, de fracasso com relação à posse do destino.
         Contra o rídiculo orgulho moderno, ele vê que a modernidade seria uma série de encontros e desencontros com as eternas sombras do humano. Quais seriam as sombras "modernas"? Os ganhos sociais (a superação do "chicote", como dizia Tchekhov, um descendente de servos) e técnicos (os ganhos da medicina no combate, por exemplo, à cólera, que tanto ocupou sua vida de médico de província) que cobrariam um alto preço (perda dos laços comunitários, mergulho na desumanização instrumental em busca de uma vida melhor, "bregarização da vida"), representando bem a forma cirúrgica em sua obra.
           Esta paciência para com o obscuro sentido de nossas vidas é atípica em uma época como a nossa, marcada pela impaciência com o vazio da vida. Fingimos que sabemos o sentido de nossas vidas, vendo-o como sentido o "avanço" ou o "progresso" técnico, ético e social. Para cada avanço, um afeto se esvazia sob o dilaceramento das relações (burocratizadas) que se dissolvem no ar. Os afetos e não as ideias nos humanizam, e afetos não são passíveis de uma geometria do útil." [...]