28 de junho de 2010

A Medicina de Tchekhov

        
          Normalmente lendo, vendo ou escutando alguma coisa, ideias e argumentos surgem e transformam-se em parágrafos que posteriormente escrevo. Entretanto, hoje postarei parte de um texto de Luiz Felipe Pondé, o qual não preciso comentar ou escrever sobre porque ele já explica tudo por si só.

         "Há 150 anos o escritor russo Anton Tchekhov (1860-1904) nascia. Médico, Tchekhov tinha um sentido aguçado para a miséria concreta da vida humana.
         Partilho com ele de um grande ceticismo com relação à crença cega no progresso, tão comum entre os tolinhos de hoje em dia.
         Qual a visão de mundo de Tchekhov? Qual a marca profética (comumente referida na crítica especializada) dos autores russos do século 19 com relação à modernização? No caso de Tchekhov, contra o delírio da autossuficiência moderna, essa marca está na sua visão de que a humanidade vive contra um cenário infinito que ultrapassa cada um de nós e a cada "era histórica", retirando-nos a possibilidade de avaliar o verdadeiro sentido de nossos atos.
         Apenas aqueles que viverão 500 anos depois de nós poderão, talvez, ver alguns obscuros sentido em nossas vidas.
         Ao contrário dos "ocidentalizantes" (termo comum na rússia do século 19 para descrever os que abraçavam o avanço moderno sem dúvidas), que se viam como donos do próprio destino, Tchekhov logo percebeu que a modernização seria apenas mais uma experiência, como tudo que é humano, de fracasso com relação à posse do destino.
         Contra o rídiculo orgulho moderno, ele vê que a modernidade seria uma série de encontros e desencontros com as eternas sombras do humano. Quais seriam as sombras "modernas"? Os ganhos sociais (a superação do "chicote", como dizia Tchekhov, um descendente de servos) e técnicos (os ganhos da medicina no combate, por exemplo, à cólera, que tanto ocupou sua vida de médico de província) que cobrariam um alto preço (perda dos laços comunitários, mergulho na desumanização instrumental em busca de uma vida melhor, "bregarização da vida"), representando bem a forma cirúrgica em sua obra.
           Esta paciência para com o obscuro sentido de nossas vidas é atípica em uma época como a nossa, marcada pela impaciência com o vazio da vida. Fingimos que sabemos o sentido de nossas vidas, vendo-o como sentido o "avanço" ou o "progresso" técnico, ético e social. Para cada avanço, um afeto se esvazia sob o dilaceramento das relações (burocratizadas) que se dissolvem no ar. Os afetos e não as ideias nos humanizam, e afetos não são passíveis de uma geometria do útil." [...]
        

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