23 de dezembro de 2012

Tarde emoldurada

Céu ocre na moldura de madeira,
nuvens cinzas em pleno anoitecer.
Folhas caem e incendeiam
na noite que não convém em aparecer.

Sons nos gramados, sons do céu;
quentura de outrora, chuva de verão.
Outono ou veraneio? Não consigo responder.
Vejo somente o ocre na madeira a brilhar.

Ouço o cantar da chuva e o tilintar das folhas
nesta linda velha casa
onde não sei o que é chão e o que é mar.

O vento uiva e devaneio a mirá-lo.
Assusto-me nos flashes e nas luzes,
perco-me no som e na escuridão.

O tempo para, mas a natureza segue a bailar
refletida na lagoa pintada e no ocre,
no ocre da parede e da moldura a exaltar.




2 de dezembro de 2012

A grande era do cupim

por Carlos Heitor Cony

          "Pouco antes de morrer, Antonio Callado foi entrevistado pelo jornal Folha de São Paulo, do qual era um dos mais conceituados colunistas. Foram declarações amargas de um profissional respeitado pela sua trajetória na imprensa e na literatura. Ao fazer a análise do seu tempo, Callado disse que faltava à sociedade brasileira, incluindo todos os seus setores - política, economia, justiça, mídia etc. -, uma "âncora moral".
         Tudo ficava permitido em nome das vantagens legais ou ilegais em todos os meandros da vida social.       No vale-tudo pelo poder ou pelo prestígio, a lei seria a do cão ou do leão, notáveis pela sua voracidade.
         Na escala zoológica, nem todo cão é feroz e há leões que se apresentam em circos, mansamente, para encanto do respeitável público.Ninguém falava ou pensava no cupim. Animal minúsculo, mas não inofensivo, sem direito ao latido ou ao urro, mas capaz de desmoronar um prédio ou uma instituição.
         Estamos na era do cupim - tudo parece bichado. Em crônica recente, com a liberdade da metáfora, comparei o Palácio do Planalto e seus anexos a uma boca de fumo, foco que abastece o noticiário policial.
       Haja nomes para designar as sucessivas e nuncas resolvidas operações da Polícia Federal ou da Procuradoria-Geral da União: Satiagraha, Monte Carlo, Porto Seguro etc. Os relatórios são alterados ao sabor das pressões oficiais ou oficiosas - estas últimas exercidas por todos os que se beneficiam do sigilo da fonte.
        O caso mais assombroso, o mensalão, teve origem na entrevista de Roberto Jefferson a Renata Lo Prete, que não invocou o sigilo da fonte e deu no que deu. Numa CPI ainda em atividade, o relator foi obrigado a tirar referências a autoridades e jornalistas. O cupim trabalha em sigilo."